“Políticas públicas têm efeitos colaterais”
— Marcos Lisboa
Desde que Lula se tornou um candidato viável nas eleições presidenciais de 2022, o mercado financeiro se pergunta: o novo ciclo do PT no poder será de ortodoxia responsável, como Lula I, ou heterodoxamente trágico, como Dilma II?
Terça-feira parece que a resposta definitiva chegou com o anúncio de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“Mercadante, vi algumas críticas sobre você, sobre boatos que você vai ser presidente do BNDES. Eu quero dizer para vocês que não é mais boato: o Aloizio Mercadante será presidente”, disse Luiz Inacio Lula da Silva, presidente eleito do Brasil, por volta das 16h.
O efeito foi rápido e negativo na Bolsa, mesmo ainda havendo dúvidas sobre a viabilidade da indicação por causa da lei das estatais:
E isso foi o que houve no mercado de DI:
Horas depois, quem ainda tinha algum sonho de ver um governo fiscalista em 2023 teve de acordar para a realidade quando a lei das estatais foi alterada tarde da noite com um jabuti — um destaque diminuindo a quarentena de membros de campanhas políticas em estatais, de 36 meses para 30 dias — dentro de um projeto de lei já duvidoso para o interesse público — aumento de verba de publicidade das estatais.
A mudança, que teve até o apoio de muitos do PL de Bolsonaro, está sendo chamada de emenda Mercadante, mas na prática pode ajudar qualquer político ou amigo de políticos a comandar qualquer estatal. Nessa esteira, a Petrobras caiu 8% ontem.
Como ouvimos de um gestor, o que mais preocupa “é o tamanho do foda-se” que o governo eleito está dando para a responsabilidade fiscal (não podemos esquecer que a PEC do rombo de transição está aí e a orçamento secreto também).
O porquê do medo
Mercadante, ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff, é um adepto do desenvolvimentismo, a tese de que o Estado é competente e inteligente o suficiente para escolher quais setores da economia devem crescer, em detrimento das regras de livre mercado. Sua tese de doutorado, aliás, intitula-se “As Bases do Novo Desenvolvimentismo no Brasil” (Unicamp, 2010).
Mercadante e BNDES juntos, na mesma frase, portanto, trazem calafrios ao mercado financeiro por soar como a volta do capitão do Titanic ao comando de uma embarcação. Como dar um novo transatlântico para o capitão Schettino pilotar.
Isso porque o BNDES foi o principal veículo para que esse projeto desenvolvimentista fosse articulado. Lá, no governo Dilma, foi criada a TJLP, uma taxa de juros arbitrária, muito menor que a praticada no mercado, à qual apenas grandes empresas de certos setores tinham acesso.
O resultado industrial disso foi pífio, como costuma acontecer com empresas cuja existência está baseada apenas no financiamento fácil. O melhor exemplo disso está no setor naval, longamente citado e explicado pelo Marcos Lisboa no nosso último programa. Consta que o navio Almirante João Cândido, construído pelo estaleiro Atlântico Sul, só flutuou após a segunda tentativa, pois, sem soldadores experientes, a companhia precisou improvisar trabalhadores rurais mal treinados na função. E seguimos sem ter uma indústria naval.
Já os dados macroeconômicos que vieram em seguida são catastróficos: o PIB, em vez de crescer, caiu 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Ao mesmo tempo, a inflação acumulada passou dos 10,7% em janeiro de 2016 e o aumento da taxa básica de juros, maior arma do Banco Central contra o aumentos dos preços, não fazia o efeito esperado, já que a TJLP garantia o dinheiro em circulação.
Esse foi o resultado do foda-se que o governo do PT deu à responsabilidade fiscal nos anos de Dilma Rousseff. Os resultados são mais que o suficiente para que o mercado financeiro não dê o benefício da dúvida nem uma segunda chance para o desenvolvimentismo encampado por Mercadante. Resta saber qual será o resultado do novo foda-se que está por vir.